Eu gostaria de escrever sobre um grupo específico de sofredores: aqueles que cresceram com um sentimento de menos valia, por não se sentirem amados por seus pais. Filhos criados com indiferença, que maltratam seus filhos, que, por sua vez, não têm muito que dar aos seus. E quando este círculo vicioso irá acabar? Que adianta viver em uma era de informação se ela não servir para nos transformar por dentro, e nos suprir onde houve faltas, e remendar onde houve rasgos?
Vou usar como exemplo de cativeiro quatro mulheres: duas belas de doer por fora e as quatro lindas de emocionar por dentro (por bondade). Mas todas se julgam severamente ou se contentam em ficar com as migalhas. Uma está presa dentro de casa, comendo sem parar, com síndrome de pânico, atraindo toda a má sorte nos negócios e na saúde.
A segunda está praticamente exilada em outro país, quase catatônica, vivendo a trama de um casamento do qual não consegue escapar e, por outro lado, sem nenhuma iniciativa para cuidar da sua vida.
A terceira se fustiga com a severidade de um monge fanático e já encontrou todas as explicações possíveis para a sua desdita, abafando seus imensos talentos como se empurra um gênio para dentro de uma garrafa.
A última, uma das belas de doer, consome lentamente sua juventude entre quatro paredes, morrendo na inanição amorosa com parceiros inadequados e sabendo que precisa mudar sua vida, mas sem ânimo para isto.
O que têm em comum estas quatro mulheres? Uma dilacerante dor de amor, a funda ferida de uma rejeição: todas têm problemas com a mãe. Nenhuma se sentiu amada.
Estas mulheres falham em nome da mãe. Precisam cumprir a profecia de não serem dignas de serem amadas ou de serem felizes. Tiveram de engolir uma incontornável dificuldade e hostilidade neste relacionamento primário. Tentaram lutar contra isto à exaustão, e por isto se afundaram.
Todas aguardam o olhar bondoso, eternizado em belas pinturas, que as grandes santas reservaram aos seus filhos adotivos, todos nós. A verdade é que, quanto mais esperam isto, menos recebem. Eis o que terão: julgamentos, indiferença, reclamações, ordens, críticas, desprezo.
Estas mulheres aguardam o dia em que isto irá mudar. Em que a áspera mãe irá acolhê-las e niná-las nos braços e dizer-lhes o quanto cresceram e são dignas. São como um pequeno fragmento que se tornou uma pérola, mas que ainda se enxergam tão somente como a tosca poeira.
As filhas de mães brutas, incapazes, infelizes, grosseiras ou indiferentes completaram-se no que faltava às suas mães, e ficaram grandiosas, mas são incapazes de voltar para elas mesmas o que distribuem aos borbotões para os outros: afagam homens mimados, acreditam em mentirosos, ficam com quem não as merece. São tripudiadas, enganadas, humilhadas, trancafiadas, submetidas.
Estas filhas aguentam toneladas de mensagens na mídia de pais bacanas e maravilhosos, os quais jamais serão os seus, e eles sabem disso.
A realidade as atormenta. Mas insistem na redenção, e se sacrificam em seu altar como se fosse o único caminho.
Meninas e meninos autoimolados, por uma única vez enxuguem o excesso desta sensibilidade, parem de insistir no que é inútil. Descubram, por favor, a sua verdade.Dêem fim aos seus sofrimentos por sua própria conta, como quem rasga um papel de uma dívida infinita. Declarem sua independência, como tantos países fizeram sempre que acharam que era tempo de terem seus próprios governos. Não esperem que seus pais abram as portas de suas gaiolas e as levem brandamente para os seus ninhos.
Meninas e meninos mal amados, há coisas que vocês só descobrirão por si mesmos, se ousarem fazer isto, o que requer coragem. A vida nunca disse que seria fácil, e tampouco segura. Saltem para fora de seus muros (sim, ele estava lá, mas vocês depois os reforçaram com mais tijolos de sofrimento, mágoa, culpa e autopiedade) e verão que não é difícil fazer isto e que não se tornarão meninas e meninos maus, pois o sofrimento deixou uma pequena pérola em seus corações. Olhem para ela e dêem-na a quem a merece, principalmente a vocês mesmos.
Meninas e meninos queridos, preciso lhes dizer que bruxas não se transformam em fadas, a não ser nos contos, e não há mais tempo para esperar por isto.
Se vocês não tomarem uma atitude (e, se realmente procurarem, encontrarão um número enorme de ajudas e tratamentos, para todos os bolsos), ninguém fará isto por vocês. Abraços ( Aglair Grein, psicanalista)